Engolir paradigmas do "management" sem discerni-los faz tanto mal quanto
comer sem mastigar. Um dos pratos que tem provocado bastante indigestão nos
comedores compulsivos do gurulês (língua falada pelos "gurus") é o que prega que
a boa liderança é a que é exercida pelo exemplo. Calma aí, alto lá!!! E quem
disse que, necessariamente, o líder é o melhor exemplo? A verdade é que nem
sempre é. Sendo assim, seria falso dizer que existe liderança pelo exemplo?
Lógico que não. Vamos tomar um chá digestivo e entender melhor esta história.
Quando focamos na questão da liderança pelo exemplo, temos que observar que tipo
de exemplo é esse que estamos falando.
Na minha opinião, o líder TEM QUE SER um exemplo na materialização dos
VALORES que prega, mas PODE SER um exemplo nas questões técnicas e funcionais,
ou ainda nas de comportamento. Se você tem alguma dúvida disso, observe o
Bernardinho, técnico da seleção brasileira masculina de vôlei. Ele é um profundo
conhecedor de vôlei, e hábil nas competências como técnico; e não poderia ser
diferente. Um diretor de marketing que não conhece sobre marketing seria o fim
da picada. Não obstante a excelência de Bernadinho como técnico, ele é
extremamente temperamental (colérico, às vezes). E quando jogador, anos atrás,
na maior parte do tempo amargou o banco de reservas da mesma seleção que hoje
treina.
Ou seja, ele certamente não se enquadraria como o melhor exemplo na
habilidade de jogar ou no comportamento. Mas, quando a questão é os valores
defendidos, digo a coerência entre o que defende e o que exige dos outros, e em
primeiro lugar de si mesmo, aí sim podemos falar de Bernardinho como um exemplo
de liderança pelo exemplo.
Na final do sul-americano de 2003, contra o time da Venezuela, numa aberta e
declarada revanche (o time brasileiro perdeu a semifinal do PAN para a mesma
Venezuela), Bernardinho se impôs uma pressão e uma cobrança que ninguém no
Brasil o fez, incluindo aí a sempre "compreensível e tolerante" torcida
brasileira, e os dirigentes nacionais. Ele declarou, antes do jogo, que se o
time perdesse ele entregaria o cargo. Por quê? Para dar o exemplo aos jogadores
de o quanto aquele jogo significava para a moral e para os projetos de um time
que é campeão mundial, perdeu o PAN 2003, mas que almeja o ouro olímpico, em
Atenas 2004. Simples assim! Ele também é exemplo quando come e dorme com o
grupo. Quando acorda cedo e sua com os liderados nos treinos. Quando vibra,
grita, pula e gesticula, em pé, quase na beira da linha lateral, no momento do
combate em quadra. Transportando para o mundo corporativo, o líder empresarial
precisa sim dar o exemplo. Mas isso não tem nada a ver com incorporar o
estereotipo do comportamento exemplar, padrão, ou posar de "Dr. Sabe Tudo Mais
Que Os Outros".
O verdadeiro exemplo do verdadeiro líder está na coerência em defender e
viver os valores que prega e cobra da equipe. Honestidade, assiduidade,
planejamento, proatividade, prontidão em servir, organização, busca incansável
por resultados, valorização do ser humano, inovação etc.
Estas são apenas algumas poucas virtudes que PRECISAM ser marca registrada de
um grande líder. Se não é ele o que mais entende de um certo assunto, não tem
problema. Agrega o especialista ao time e deixa que este seja o exemplo técnico.
Se não é ele o que tem a melhor oratória para apresentar o projeto para o "board",
não tem problema. Carrega o "vendedor" de projetos do time para a sala de
reunião, e deixa que seu pupilo faça o show (e não esquece de puxar os
aplausos). Portanto, cuidado com a idéia de que o líder é "O" exemplo. Na
verdade, o maior exemplo moral que o líder pode dar é reconhecer que talvez não
seja o melhor exemplo. Minha recomendação: Siga este exemplo, e seja um exemplo
de líder.