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Negócios / Empreendedorismo - Superando o imediatismo 

Data: 18/06/2007

 
 

O FASB (Financial Accounting Standards Board - comitê que define os padrões contábeis norte-americanos) propôs uma atualização nos princípios contábeis (GAAP), utilizados desde o século 19, que tinham passado por pouquíssimas alterações desde então. Infelizmente, os novos padrões propostos não foram atualizados o suficiente para o cenário do século 21 e ainda estão restritos ao ambiente industrial do século 20. Como resultado, as novas regras contábeis farão muito pouco para resolver um dos maiores problemas encontrados nos negócios atualmente: a crise do imediatismo, ou seja, do pensamento em curto prazo, que perverte os objetivos dos negócios e distorce os incentivos.

As empresas de capital aberto sentem-se compelidas a conseguir bons resultados em curto prazo a qualquer custo, mesmo quando os custos para o longo prazo são óbvios – mas não podem ser vistos no balanço empresarial. Você provavelmente já compareceu a reuniões para “fechar o número” no final de um trimestre. Talvez, você tenha decidido interromper algum trabalho de pesquisa e desenvolvimento ou tenha desistido de uma importante (e cara) iniciativa em relação aos clientes. Quem nunca esteve em uma dessas reuniões em que basicamente todos sabiam que as ações a serem tomadas não levavam em conta os interesses de longo prazo dos acionistas, mas você agiu mesmo assim, com o objetivo de apresentar bons números no curto prazo? Um gerente frustrado de uma editora de revistas confessou a um investidor que quando a empresa enfrentava um trimestre ruim, eles cortavam custos suspendendo nada mais do que as campanhas de reativação de assinantes!

Ao resumir quase todo o sucesso financeiro em um único número, os princípios contábeis atuais, sem dúvida alguma, têm contribuído para a crise do imediatismo, elevando a importância das ações de curto prazo sem levar em conta os impactos que estas terão no valor da empresa em longo prazo. Ironicamente, a lei Sarbanes-Oxley aumentou o problema, pois agora os gerentes não podem, de modo nenhum, “administrar” os números de curto prazo. A Sarbox pode ser (ou não) boa para a governança corporativa, mas em uma pesquisa realizada após a instituição da lei, quatro dentre cinco CFOs disseram que aceitam destruir valor, quando necessário, para fazer o número do trimestre!

O trabalho de gestão é duplo: criar valor corrente para os acionistas, na forma de rendimentos, e manter o lastro da empresa, preservando ou aumentando o patrimônio para continuar criando valor. Os princípios contábeis tradicionais são adequados quando tratam da conciliação de eventos atuais, que afetam o valor do patrimônio tangível, como empréstimos ou equipamentos. No ambiente de negócios do século 21, entretanto, esse patrimônio, próprio da era industrial, é menos relevante para a criação de valor.

Patrimônio realmente valioso
Ao contrário, os bens mais produtivos que uma empresa moderna tem geralmente são coisas intangíveis, como a preferência pela marca ou o valor vitalício dos clientes (LTV) – patrimônio que o CMO (Chief Marketing Officer) deve gerenciar. Mensurar as vendas, o marketing e a eficiência do serviço é uma tarefa que deixa diversas empresas confusas, mas uma coisa é clara: o valor em longo prazo, da fidelidade do cliente e da marca, raramente é demonstrado nos balanços financeiros.

Contudo, esses são os bens que sofrem danos quando a empresa toma medidas drásticas pensando nas vendas ou ganhos do período corrente. Se um cliente valioso reclama e você não resolve o assunto satisfatoriamente, quanto valor a sua empresa perde quando esse cliente decide abandoná-la? Se você insiste em assinar um contrato que está dentro da lei, mas é vantajoso apenas para determinado cliente, com a intenção de não prejudicar os resultados do trimestre, você poderá contabilizar essa receita, mas também não seria justo que você prestasse contas pela perda do valor futuro do cliente para a empresa? Além disso, os clientes estão cada vez mais conectados entre si, trocado avaliações e opiniões sobre a sua empresa. Violar a confiança de um cliente ou perder a credibilidade pode ter ramificações que vão muito além do “paternalismo” realizado para um certo cliente.

Como o patrimônio mais importante das empresas do século 21 geralmente é intangível, seria interessante para os investidores se os princípios contábeis pudessem responsabilizar os gestores pela preservação desses ativos. O argumento tradicional é óbvio: os bens intangíveis são muito economicamente abstratos para serem mensurados com precisão. Mas esse argumento também é produto do pensamento do século 20. Com as análises computacionais e modelagem estatística disponíveis hoje, por exemplo, os valores vitalícios (LTVs) dos clientes podem ser estimados e gerenciados em muitas empresas de diversos setores.

Ainda não é o bastante? Podemos encontrar empresas que usam o serviço de auditores independentes para verificar periodicamente a objetividade desses modelos estatísticos. Entretanto, precisamos começar a pensar nos clientes como o principal patrimônio gerador de receita, e precisamos de princípios contábeis que permitam aos investidores avaliar quão bem a empresa está administrando esse patrimônio.

Presos no século 20
Infelizmente, os novos padrões do FASB não farão nada para aliviar a crise do imediatismo, que tem incentivado tantas decisões ruins nas últimas décadas. Em vez de reportarem um único número que representa o lucro, talvez as empresas passem a reportar diferentes tipos de resultados financeiros, mas estes continuam sendo relativos ao período corrente. Quase que por definição, essas métricas continuarão encorajando os tomadores de decisão a destruir o valor de longo prazo quando for necessário aumentar o sucesso atual.

Uma vez que os novos princípios contábeis para as empresas americanas significarão reescrever os livros contábeis e treinar novamente milhares de contadores, não seria tempo de estabelecer princípios que sejam realmente úteis para os investidores do século 21? Precisamos de métricas financeiras que ajudem a um investidor escolher entre duas empresas que têm um sucesso semelhante no período atual – mesmo que seja reportado de maneiras diferentes – quando uma das empresas estiver “canibalizando” o futuro para manter esses números, enquanto a outra tem a capacidade de manter os resultados e ainda construir ativo em clientes (customer equity) para assegurar um sucesso mais duradouro.



 
Referência: 1to1.com.br
Autor: Don Peppers e Martha Rogers
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